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Aspectos jurídicos da resolução 382/2020. algumas ponderações

Aspectos jurídicos da resolução 382/2020. algumas ponderações

A edição da Resolução 382/2020 do CNSP, de 01 de Julho de 2020, trouxe a imposição de novas regras administrativas relacionadas às práticas de conduta que devem ser adotadas pelas sociedades seguradoras, de capitalização e de previdência complementar, bem como, pelos intermediários, responsáveis pela angariação, promoção, intermediação ou distribuição dos respectivos produtos, dentre os quais estão inseridos os corretores de seguros.

A par do debate que tem provocado no mercado segurador opiniões favoráveis e contrárias ao novo texto legal, tecemos alguns comentários, ainda que correndo o risco de falar a respeito de um assunto relativamente novo, controvertido e ainda não sedimentado, pois a nova norma tem gerado dúvidas variadas, sobretudo em relação a obrigatoriedade de informação por parte do corretor de seguros a respeito do montante de sua remuneração pela intermediação do contrato de seguro, nos termos do art. 4.º, § 1.º, inciso IV da Resolução 382/2020.

Todavia, longe de uma opinião final sobre as discussões que estão apenas começando, o nosso propósito é o de contribuir para com o debate institucional, na condição de advogado especialista em Direito de Seguros que sempre defendeu os interesses dos corretores de seguros e dos segurados.

Pois bem, antes do exame propriamente dito dos novos comandos trazidos pela Resolução 382/2020, não devemos esquecer que se trata de uma norma principiológica que estabelece os princípios que devem ser observados por todos os agentes do mercado segurador em relação ao seu relacionamento com o cliente final, com o consumidor de seguros, a quem, em última análise, a novel resolução visa proteger.

De fato, a sociedade brasileira tem testemunhado ao longo das últimas décadas muitas ações irresponsáveis, em especial das sociedades seguradoras, em relação a falta de transparência e de clareza nas condições contratuais de seus produtos, cujas informações, na maior parte dos contratos ainda são carregadas de dubiedade e de um tecnicismo exacerbado, não apropriadas à compreensão do consumidor, criando um quadro de assimetria de informação, cuja responsabilidade vem sendo paulatinamente transferida aos corretores de seguros, que passaram a ter, cada vez mais, o dever de informação como uma de suas principais responsabilidades no papel de angariar e a promover contratos de seguros, nos termos da Lei 4.594/64, das normas do Código Civil e do entendimento majoritário da jurisprudência.Na maioria das vezes, apesar da legislação vigente e da existência de um órgão regulador, as sociedades seguradoras e muitos intermediários seguiram agindo desta forma, sem qualquer punição, prejudicando um incontável número de consumidores vulneráveis, que não dispunham do correto aconselhamento técnico para que pudessem proteger de forma adequada os seus interesses, os seus riscos e as suas necessidades.

Nesse passo, antes de qualquer exegese, sob pena do completo divórcio da realidade, é preciso ter em mente que os princípios estabelecidos pela Resolução 382/2020 não são uma novidade, pois todos já estavam inseridos no ordenamento jurídico, previstos no Código Civil e no CDC, de modo que a principal diferença, é que agora estão dispostos em uma norma administrativa, que permite a aplicação de multas pelo órgão regulador, em caso de descumprimento.

E, com efeito, a nova norma visa essencialmente reforçar a proteção do consumidor de seguros, estabelecendo políticas institucionais de conduta para seguradoras e intermediários, assegurando o tratamento adequado do cliente e a redução da assimetria de informações, para que o mesmo tenha condições de contratar produtos que atendam ao seus interesses e suas necessidades de proteção.

É a partir dessa premissa que a Resolução 382/2020 deve ser analisada e interpretada, sendo necessário esclarecer, todavia, que a nossa maior preocupação é, e sempre foi, com a proteção dos interesses dos corretores de seguros e de sua carteira de clientes.

Todavia, a norma é cogente, determinando regras a serem cumpridas. Se não houver o cumprimento, poderá ocorrer a aplicação de multas que podem ser bastante elevadas, pois no direito, os interesses coletivos estão e estarão sempre acima dos interesses individualizados.

Deste modo, o primeiro aspecto a analisar diz respeito a legalidade da norma. Conforme já manifestamos, não vislumbramos nenhum resquício de ilegalidade e/ou inconstitucionalidade, pois a Resolução 382/2020 está fundamentada em princípios já consolidados em nosso ordenamento jurídico e alinhados à nova ordem jurídica e à nova perspectiva social e jurídica do contrato de seguro.

A ideia de desequilíbrio não tem fundamento jurídico. Primeiro, porque o princípio da transparência total no fornecimento de informações ao consumidor e da boa-fé objetiva nas relações negociais, motivados pelo princípio da lealdade que deve envolver todo tipo de relação contratual, já estão presentes nas normas do Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, os quais já estabeleceram há muitos anos os chamados deveres pré-contratuais. Segundo, porque o corretor de seguros é um profissional habilitado e qualificado na sua atividade empresarial e o mercado segurador está inserido na nova ordem contratual, que tem suas bases nos princípios da probidade, da boa-fé, da correção e da lealdade nas relações negociais.

Diante deste contexto normativo, do qual emerge a nova norma administrativa, nos parece que a expressão “disponibilizar formalmente informações” deve ser entendida como sinônimo de informar, não cabendo, a nosso ver, uma interpretação meramente gramatical no sentido de que bastaria informar ao cliente que as informações estão “disponíveis” caso ele queira, pois isso implicaria no esvaziamento da norma, à medida que desconsidera os demais métodos e critérios de interpretação jurídica, como o sistemático, o teleológico-axiológico e o sociológico.

Parece-nos, com todo respeito aos entendimentos em sentido contrário, que esta interpretação simplista, além de arriscada do ponto de vista regulatório, pois poderá refletir em decisões punitivas gravíssimas pela SUSEP, está a nosso ver desalinhada da realidade jurídica vigente no campo contratual e da legislação securitária.

Não há dúvida, portanto, em relação à legalidade da norma, ainda que possa ser questionada por outras razões, não afetas ao direito contratual e ao direito securitário. Na visão tridimensional do Direito Civil brasileiro (fato, valor e norma) a teoria do direito securitário está sendo construída passo a passo com base nos princípios jurídicos e nos valores definidos pela sociedade brasileira contemporânea, de modo que eram (e ainda são) esperadas alterações e modernizações no campo regulatório para que haja maior acesso da população aos produtos de seguros e para a efetivação da proteção dos direitos dos consumidores de seguros.

A Constituição Federal traz os valores fundamentais que alicerçam esta questão: dignidade da pessoa humana, igualdade e segurança.

Neste aspecto, o corretor de seguros é um fornecedor. É um prestador de serviços, e como tal precisará informar ao seu cliente, que é o consumidor na relação jurídica, o valor da sua remuneração pelos serviços prestados ao segurado, assim como acontece com todos os demais profissionais liberais regulamentados como médicos, médicos veterinários, advogados, dentistas, jornalistas, contadores, engenheiros, arquitetos, corretores de imóveis, economistas, psicólogos, etc., até porque negar esta informação seria uma conduta não apenas contrária à Resolução 382/2020, mas, sim, contrária à ordem social e jurídica em que vivemos.

Outros questionamentos também vieram à tona. Dentro deste contexto normativo, a expressão “o montante da sua remuneração” deve ser entendido como o valor da comissão bruta, exceto em situações pontuais em que seja materialmente impossível informar o valor da comissão e/ou remuneração, que são as expressões corretas a serem adotadas, como ocorre nos ramos faturáveis e/ou de riscos decorridos, como nos seguros de Transporte por exemplo.

É importante observar a questão temporal. A informação sobre o montante da remuneração (comissão de corretagem, acrescida do agenciamento nos seguros de pessoas) dentre outras, deve ser levada ao conhecimento do consumidor no momento de formação do negócio jurídico, antes da efetiva aquisição do produto de seguro, ou seja, antes da transmissão da proposta à seguradora.

Esta informação deve ser formal. A norma é bastante clara neste aspecto, ao mencionar “disponibilizar formalmente” ao cliente, em que pese não tenha definido quais as ferramentas de informação devem ser utilizadas, havendo discricionariedade neste aspecto. E esta informação não se resume ao montante da remuneração, sendo indispensável observar também os incisos I, II e III do § 1.º do art. 4.º da Resolução 382/2020 e não apenas o inciso IV.

Outra importante consequência advinda da Resolução 382/2020, e que curiosamente não causou nenhuma polêmica e/ou aparente preocupação por parte dos corretores de seguros, diz respeito ao aspecto mais complexo desta norma, relacionado à obrigação de assegurar aos clientes informações e orientações que possam mitigar a assimetria de informações do consumidor, para que o mesmo possa decidir de forma adequada e segura sobre os produtos que melhor atendam ao seu interesse, às suas necessidades de proteção e ao seu perfil de riscos.

Isso, sem qualquer dúvida, representa um encargo muito mais complexo para o corretor de seguros, pois diante do dinamismo em que as relações negociais são realizadas atualmente, sobretudo em produtos massificados e padronizados, que são a expressiva maioria em nosso mercado segurador, fazer prova de que o cliente foi provido de informações contratuais de forma clara, tempestiva e apropriada, nos termos do inciso VI do art. 3.º da Resolução 392/2020, é um desafio sem precedentes no marco regulatório do setor.

O problema da assimetria informacional é um dos problemas mais evidentes no que podemos chamar de pós modernidade contratual, em um ambiente de negócios cada vez mais dependente da tecnologia, que é mutante e desafiadora, sendo o dever anexo de informação uma das obrigações mais básicas do corretor de seguros e a da seguradora perante o consumidor de seguros.

A ausência de informações claras, precisas e completas no momento da formação do negócio jurídico acarreta consequências danosas a todo o mercado segurador, mas, principalmente, para o consumidor, que é a parte mais vulnerável desta relação.

A deficiência de informações e a assimetria informacional, que fazem parte da realidade do mercado de seguros, criam uma situação de insegurança jurídica contratual, sendo pretensão da norma assegurar um tratamento mais adequado ao consumidor para redução do risco de assimetria de informação, razão pela qual impôs aos entes supervisionados e intermediários a observância de providências elencadas no § 1.º do art. 3.º da Resolução 382/2020.

Esta deveria ser a principal questão a ser discutida pelos corretores de seguros, dada a sua importância no contexto normativo e, sobretudo, às dificuldades operacionais de cumpri-la integralmente, sob pena de incorrer em penalidades que podem ser gravíssimas, nos termos do art. 14, que altera a redação da Resolução 243/2011, que prevê multas elevadas na hipótese de descumprimento da norma no que se refere ao relacionamento com o cliente ou à política de conduta do profissional, pois o corretor de seguros cumpre o papel de proteger a vida, a saúde, os negócios e as conquistas das pessoas, sendo, por esta razão um profissional que desempenha um papel excepcional em nossa sociedade, como outras profissões fundamentais, como o direito, a medicina, a engenharia etc.

Por isso, nos parece que, apesar das controvérsias originadas com a Resolução 382/2020 e dos encargos que mais uma vez recaem sobre os corretores de seguros, notadamente em relação a obrigação de prover informações, é forçoso reconhecer que a atividade securitária brasileira precisa se aprimorar para desempenhar o seu importante papel na construção de uma sociedade moderna e para o processo econômico brasileiro, pois tem uma responsabilidade única e uma função social destacada, e como tal deve ser regulamentada, impondo aos seus agentes responsabilidades profissionais e empresariais que estejam alinhadas com a legislação vigente e com o verdadeiro papel do corretor de seguros na atividade securitária – de ser um consultor de riscos e garantias securitárias para proteger seus clientes – sem perder de vista que seguro não apenas mais um negócio jurídico e que a atuação do setor privado e a do setor estatal devem convergir, trabalhando em conjunto, com vistas a superação do subdesenvolvimento do mercado do seguros.

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